terça-feira, 16 de setembro de 2008

DA VÍTIMA E SEU VAMPIRO

Texto enviado via Jornal do Clan por La Femme.


Por ter se tornado imprescindível à existência da vítima, a figura do senhor é uma construção da própria vítima. Talvez esteja fundada aí sua representação vampírica, como aquele que está para além da morte, que emerge da escuridão e carrega consigo o mal. Longe de ser o maior terror, é esse mal seu maior pólo de atração. Destruidor, em primeiro lugar, possibilidade de ultrapassagem dos limites estreitos da vítima, em segundo, ele é figurado como a mais temida e a mais desejada de todas as forças. O vampiro é a maneira como a vítima representa sua possibilidade de liberação, sua possibilidade de consciência, sua paixão de tornar-se outro. Mas, como toda paixão, ela não lhe é consciente. Emerge de um fundo que a excede, daí a força da sedução que a captura.

Representação romântica do século XIX (resgatada de arquétipos anteriores, transculturais), quando o desejo foi poderosamente submergido sob a ordem disciplinar do universo da razão masculina, em particular o desejo do outro sexo – que é sempre a mulher – a figura do vampiro foi convocada a responder ao apelo da feminidade negada, tanto no homem como na mulher, como aquele que invade, que se apropria, que destrói ou que transforma sua vítima em seu semelhante, por assimilação da vítima a ele. Transgressor, fazedor da própria lei, o vampiro abre a possibilidade, no imaginário da vítima, de escapar à lei do desejo que a conforma. Tornar-se também fazedora da própria lei, eis o projeto da vítima, seu sonho, sua utopia. Sua perversão.

De uma demanda de amor à própria afirmação de si como amante, pode a vítima realizar esse passe?

Ora, se a vítima não ama, se não tem a potência de amar, poderia ela construir para si um senhor capaz de amá-la? Como poderia, o que não ama, conceber um amante para si? O que a vítima pode conceber, em sua posição de vítima, é aquele que irá se apropriar dela, de sua vida, seduzindo-a, não o que irá amá-la. E, por essa limitação, ali onde ela sonha sua liberdade, acaba por eleger, no outro, seu tirano. Protegendo-se de se reconhecer enquanto desejante, canta a glória de seu suposto libertador, delegando a ele seu sentido, sua ação, que só seriam efetivos se lhe fossem próprios. Eis o risco de todas as revoluções, individuais ou coletivas, postas no porvir e nas imagens ideais de poder e potência de um líder: a emergência de microfascismos. A cristalização da vítima, o aprisionamento do imaginário, não sua liberação.

O senhor sonhado pela vítima não é, assim, aquele que a afeta e a contamina com sua potência. Ele está, antes, contaminado dela, de sua demanda, de sua impossibilidade. Como pensá-lo, então, senão como tirano, senão como modelizado pelos referentes que a vítima retira do mundo com o ela o vê?

Por isso, um mundo aderido às figuras e estratos de poder a que os sujeitos devem aceder – e neles permanecer – para realizarem sua condição de potência é um mundo onde só há vítimas, pois aquele que ocupa o lugar do poder, o de senhor, está permanentemente ameaçado de ter revertida sua posição, perdendo sua potência de ação. Daí sua aderência ao que pode significá-lo. E a aderência da vítima ao que lhe permite reconhecê-lo. Essa é a ameaça totalitária dos desejos de ultrapassagem e de superação do si-mesmo que concebem um pólo de convergência/referência fora de si para sua realização.

Seria ingênuo, entretanto, conceber um mundo sem vítimas, logo, sem senhores? Ou um outro, em que todos seriam senhores? Uma comunidade, enfim, em que todos seriam livres? Um mundo de seres humanos, de homens integrais? Esse mundo, reiteram as razões e as evidências do mundo, é utópico. Mas é necessário afirmar, sempre e sempre, essa “utopia” como virtualidade, não do amanhã, mas do agora, pois é nela que afirmamos nossa potência e encontramos o motor de nossas ações. Paradoxal, talvez, desejante do impossível, por que não? A verdadeira democracia, um coletivo de múltiplos, afinal, é também uma virtualidade pela qual e para a qual somos convocados a trabalhar (e não a lutar por). Jamais um porvir (daí a inutilidade da luta), sempre um devir (daí o trabalho permanente por sua efetividade).

Um mundo de senhores, um mundo de iguais, cada um em sua diferença e com a própria potência como seu único poder, para ser concebido em sua virtualidade, exige um outro olhar, uma outra positividade, de forma que a apreensão das relações não seja dada só por oposição ou por complementaridade ou disjunção (senhor/escravo, ativo/passivo, masculino/feminino, forte/fraco, escuro/luminoso, bem/mal...), por composição unitária, mas principalemente por simetria, por mutação, por processualidade, por diversidade, por diferença, por multiplicidade, por conectividade. Uma revolução dos espíritos, cujo motor ético exige, por se significar pelo olhar, uma nova assunção estética. Um novo coletivo, o da multidão.

valter a. rodrigues (1996/2002*)

O vampirismo numa perspectiva melancólica



O mito do vampiro se fez presente em vários lugares do mundo. Desde a antiguidade muitos procuram uma explicação plausível para contornar o lendário vampiro. Existem escritos... registros que pronunciam a existência vampírica com data de séculos antes de Cristo.

Na antiguidade a imagem reveladora do vampiro trazia o medo aliado a uma figura monstruosa. Com o despertar da era romancista, muitos escritores procuraram redefinir a figura vampírica. Aquela imagem pressuposta em monstros mitológicos... assombrosos... cabalísticos...ganhou a silhueta mais próxima da humana.

O perfil macabro, voltado para a barbárie, deixou espaço para personagens mais misteriosos, que buscavam um amor... uma amada reencarnada... Um perfil voltado à sensualidade... O melancolismo toma conta das mentes criativas dando desenvoltura ousada aos seus escritos. Werner Herzog ao fim da década de 70, presenteou o cinema alemão com Nosferatu, uma homenagem ao texto original de Friedrich W. Murnau. O filme é ambientado pelo soturno, mergulhado em cores esmaecidas e em tons contrastantes de luz e sombras, o estilo das interpretações, recorda a forma de atuação dos atores do cinema mudo. Nesse filme o personagem vampírico é associado ao desejo insaciável, numa perspectiva melancólica, refletindo os impasses da condição humana. O vampiro, visualmente repelente, lamenta atravessar os séculos incapaz de consumar o desejo de amar, evidenciando o corpo como clausura: “O tempo é um abismo tão profundo como mil noites....A morte não é o pior...é bem mais cruel ser incapaz de morrer... A ausência do amor é a dor mais degradante que existe...”.

Nosferatu era um personagem não contemplado pela beleza, e que acima de tudo tinha anceios como os humanos acerca do verbo amar, incondicionalmente amor... No entanto sua aperência horrenda lhe arrancava quaisquer chances de cativar ... praticar o verbo amar! Para tanto tal personagem é envolto a extrema tristeza... Sentimento com o qual despertava lhe o ódio... a inveja... Levando – o à espreita, como um animal peçonhento a espera de sua vítima! E assim o fazia... não hesitando em avançar sobre o objeto do desejo quando o momento se mostrava propício.


Até mais!!!

La Femme

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